2010年10月22日 星期五

À procura de uma trança feiticeira

Finalmente acabei de fazer esta tradução livre de um artigo do Dr. Chan Chi Fong, docente de part time da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Macau. O Dr. Chan visitou o Doutor em 2005. O artigo foi publicado no seu blogue em 2008. Um pouco exagerado e grande este artigo. De qualquer forma, interessante.

À procura de uma trança feiticeira

Chan Chi Fong

Se quiseres procurar as pegadas perfumadas de A-Leng, e se quiseres relembrar e admirar o feitiço de um profundo sentimento da sua grande trança tão preta como breu, tão brilhante e tão lisa, terás que passar pela Estrada da Vitória, andar na Rua Nova da Guia e tomar um atalho nesta calçada, vira à direita e chegarás às ruas do mercado do tão transitado “Cheok Chai Un” (Horta da Mitra). Porém, para voltares aos anos 30, àquela época em que existiam paralelamente a “Cidade Cristã” e o “Bazar Chinês”, terás que ter os profundos olhos como os tem Henrique Rodrigues de Senna Fernandes, conhecido como “escritor português filho da terra” e “escritor da memória”, terás que espreitar de um ponto de vista da história e terás que atravessar o passado, com uma forte admiração, uma encantadora verve e uma intolerável saudade. Talvez, com uma sorte extraordinária, a trança, preta, lisa e lindíssima, possa dar-te uma surpresa. 

……然後“像一條美麗的蛇/引誘我越過牢固的邊界/她纏繞著我的身體/我們無法分離”1,從此緊緊的被那條大辮子綑綁著,深深因為阿玲而傾倒。

Tendo lido a versão chinesa d’A Trança Feiticeira de Henrique de Senna Fernandes, fiquei encantado pelos cantos das ruas antigas descritas nas suas obras, e ainda por cima, fiquei profundamente fascinado por aquela “aguadeira” A-Leng que cresceu no “Cheok Chai Un” da comunidade chinesa no romance. 

Nas esquinas antigas de Macau das obras de Henrique de Senna Fernandes enche-se um sentimento muito sossego mas simultaneamente animado. Os tranquilos bairros onde residiam os portugueses e os filhos da terra, as velhas figueiras que alinhavam os dois lados de cada rua e a calçada à portuguesa. Elegantes e românticos, transbordantes de um encanto encantador da Europa do Sul e de Portugal litoral. As ruas e os bairros, que estendiam a partir das igrejas católicas como núcleos, eram chamadas freguesias. Uma freguesia a outra. Era portanto designada elegantemente a “Cidade Cristã”. Ao pé desta, eram outras cenas. Era muito movimentado onde os chineses viviam. A Rua dos Mercadores, o Largo do Pagode do Bazar, o Cheok Chai Un… Não havia nenhum lugar onde não estivesse cheio das pessoas e das suas vozes. Embora dura a vivência, feliz de quem se contentava com o que tinha. Vendilhões e lojas. Vivo e energético. O nome do “Bazar Chinês” era assim conhecido sem ser promovido.

Entre a “Cidade Cristã” e o “Bazar Chinês”, conviviam os chineses e os estrangeiros. Porém, as classes e as distinções entre os residentes chineses e portugueses faziam com que as relações fisicamente íntimas se limitassem apenas a se suportar a vida. Além disto, nunca se encontravam. Até excluíam os outros, oponham-se uns aos outros, odiavam os outros e eram hostis aos outros. Folheando a história moderna de Macau, quantas pessoas choraram e sangraram por causa das extremas diferenças culturais entre as nações, o que nos surpreenderá? Como é que se poderiam reconciliar o mútuo rancor acumulado pelo sangue e o ódio entre as nações? Provavelmente a literatura de Henrique de Senna Fernandes deu-nos uma resposta satisfatória.

Henrique de Senna Fernandes contou de uma forma atraente uma história de fadas. “喜結良緣,兒孫滿堂,白頭到老”2. Uma história de amor muitíssimo comovente sobre um jovem filho da terra Adozindo e uma pobre menina chinesa A-Leng. Os dois jovens, em cujos corpos corriam os sangues de etnias diferentes, possuíam distintos contextos religiosos e conceitos culturais, falavam diferentes línguas, experimentavam os processos de crescimento completamente diferentes, tinham uma distância grandíssima de classes… O amor deles era tão tocante que lhes doía tanto. Um fim satisfatório tem feito os leitores satisfeitos. O amor amargo de tantos sofrimentos, a solidão do abandono de famílias, a exclusão dos estreitos conceitos, a angústia da vivência dura... A história de amor de Adozindo e A-Leng – história de amor de um filho da terra e uma chinesa pobre, teria que atravessar o alto muro edificado pelas culturas muito diferentes. De facto, que força vencerá as dificuldades, resolverá o preconceito e a discriminação e, resultará de um amor imortal?

De qualquer maneira também desejava visitar o Senhor Henrique de Senna Fernandes. Não conseguia imaginar que afinal a deusa aos olhos de escritor filho da terra seria uma “aguadeira” pobre, de origem chinesa, lindíssima, e que tinha um grande trança brilhante e lisa. Inesperadamente, A-Leng possuía uma força mágica que reconciliaria os conflitos entre as culturas tão diferentes.

A visita a Henrique de Senna Fernandes dependeu inteiramente da recomendação da Sr.ª Directora Lau Sin Peng3. Lembro-me que foi o sétimo dia do primeiro mês no calendário lunar, um dia de chuva. Coincidiu com a chegada de um corrente frio, desceu de repente a temperatura. Foi um dia especial, a Dr.ª Lau acompanhou comigo e com a minha aluna Kin Ieng. Chegámos ao escritório de Henrique de Senna Fernandes, visitámos este escritor filho da terra aos 82 anos de idade.

Chegámos um pouco mais cedo do que a hora marcada. Tendo mostrando a nossa intenção, a senhora secretária convidou-nos a sentar. Dentro em breve, vimos que veio lentamente um corpulento senhor de idade. Levantámo-nos educadamente e saudámo-lo cordialmente. Sorriu-se e acenou com a mão. Pediu-nos em inglês que nos sentássemos mais um pouco.

Passados cinco minutos, a senhora secretária informou que podíamos entrar. Estava a sentar-se Henrique de Senna Fernandes, sério e solene. Sentámo-nos, atraídos pelo seu forte perfume da eau de Cologne. Cabelo crespo e prateado, cheio, limpo e ordenado. Tem uma visão penetrante. O leve azul europeu dos seus olhos é profunda e nitidamente transparente. O perfil profundo, as feições claras, são obviamente características comuns dos latinos. Uma cara cheia de rugas entrelaçadas declarou uma rica experiência da vida. Henrique de Senna Fernandes cumprimentou-nos cordialmente, mostrando esperar que a entrevista terminasse dentro de uma hora. Claro que não tivemos nenhuma objecção. A sua voz é um pouco rouca, confundindo obscuramente um som meio-metal. A entoação é muito profissional. Calma e nada sentimental.

Agarrando o tempo, fui primeiro que coloquei questão. Directamente perguntei, em relação a esta obra A Trança Feiticeira, sendo um escritor filho da terra, porque é que fez esta surpreendente escolha de uma “aguadeira” pobre, vindo do “Cheok Chai Un” na baixa do “Bazar Chinês”, como uma protagonista que seria capaz de alterar o fim? Afinal, como é que este grande escritor apreciou esta jovem senhora descalça e que possuía um corpo esbelto e bem feito e uma grande trança tão preto como breu?

Talvez tivesse eu perguntado do centro do romance! Reparei uma pequena mudança da cara de Henrique de Senna Fernandes, que tinha sido toda séria. Foram perguntas e respostas muito profissionais e práticas, até a esta minha pergunta. Na cara dele expressou-se um pouco ansioso. Alterou uma outra posição sentada mais confortável, inclinou-se e encostou-se à encosta em couro genuíno da luxuosa cadeira de gabinete. Fechou os olhos. Parecia que estava a recordar ou apreciar qualquer memória. Respirou fundo. Lentamente disse: “Enfim, jovem, consegues compreender a ternura da mulher chinesa?” Não esperando pela minha resposta, continuou: “Sabes, só se uma mulher chinesa se apaixonar por ti, consegues então compreender profundamente aquela ternura. Em especial quando estiveres doente, quando estiveres fraco.” Disso-o, levantou-se e levou da estante atrás da cadeira um álbum de fotografias, que é O Olhar de Henrique de Senna Fernandes - Fragmentos, publicado no ano passado. Folheou, procurou e encontrou uma página em que se reúnem algumas velhas fotografias do casamento e família de Henrique de Senna Fernandes. Apontou levemente aquela senhora elegante, vestida de branca e ocidental e disse: “Casei-me com uma senhora chinesa, que me deu uma ternura tão sentimental.” Pausou, suspirou e fechou os olhos fortemente. Mostrando-se triste na sua cara, enrouqueceu a sua voz e disse: “Mas... já foi...”

Não se estranha que o amor que os dois romances contam seja profundo e tocante. Afinal este velho homem de 82 anos que está em frente de mim é uma pessoa sentimental que tem uma saudade tão profunda da sua falecida esposa, tão sincera, tão comovente.

“Sim, jovem, não mencionaste A-Leng?” Disse eu sim com a cabeça e perguntei: “É a imagem da sua esposa?” Henrique de Senna Fernandes por sua vez disse não com a cabeça, respondeu levemente: “Não. A-Leng. Como é que digo? Ela era mais ou menos uma imagem profunda daquele tempo quando eu era jovem.” Disse-o, mudou novamente a posição sentada e continuou: “Quando era ainda aluno do liceu, morava perto da Estrada da Vitória. Passava sempre pelas ruas do ‘Cheok Chai Un’, era mais rápido. Naquele tempo via sempre as raparigas chinesas que trançavam. Para mim eram lindíssimas. Uma delas era alto, elegante, linda e descalça. Aquela grande trança, fazia-me querer tocar... Esta imagem dela foi ficando uma imagem fascinante, uma imagem de uma mulher intocável. Lembro-me que gastei muito tempo no trabalho de casting, quando A Trança Feiticeira veio a ser um filme. Entrevistámos muitas lindas mulheres de géneros diferentes, mas não tinham aquele temporamento que A-Leng tinha.”

“Que temportamento?” perguntei. Henrique de Senna Fernandes respondeu: “A-Leng é uma rapariga inteligente, corajosa e alto-confiante. É uma mulher decidida que pode fazer tudo para defender o amor e a felicidade. Uma mulher que luta com a pinga pelo seu amante, se alguém o ofender.”

“Realmente, o amor de uma ‘aguadeira’ e um filho da terra seria tão amargo?” perguntei. Henrique de Senna Fernandes respondeu assim: “Naquele tempo raramente os rapazes filhos da terra de famílias ricas casavam-se com as raparigas chinesas. As diferenças entre as religiões e fé, contextos culturais, classes sociais... De qualquer forma, eram terríveis. Sofreram tantos impedimentos.” Pausou e disse: “Mas, se amares sinceramente uma pessoa, não te importas com a sua origem nem passado. Se amares sinceramente uma pessoa, nenhuma diferença vês entre vocês. Quando amares completamente uma pessoa, amas a todo o custo. Este é o amor real, que eu compreendo, portanto o que descrevo no romance é o amor real.”

“Então, seria o amor real que resolveu os conflitos entre a China e Portugal?” Fiquei extremamente surpreendido. Henrique de Senna Fernandes bateu na sua coxa, fazendo um som claro, e continuou: “Então não é? Além do amor, que força maior do que essa no mundo poderá reconciliar os conflitos?” “Permita-me colocar mais questões!” Solicitei. Henrique de Senna Fernandes acenou a mão, um gesto de “à vontade”. “No filme A Trança Feiticeira finalmente escolheu-se a actriz da China Continental Ning Jing a interpretar o papel de A-Leng. Será a imagem de A-Leng?” Henrique de Senna Fernandes riu-se satisfeito, “A-Leng é esta imagem. À primeira vista de Ning Jing, disse eu: ‘Ó meu deus! A-Leng não era assim que tinha este temporamento?’...”

Naquela tarde de chuva, saí muito contente do gabinete de Henrique de Senna Fernandes. Depois passei sozinho pelo “Cheok Chai Un”, tentando procurar as ruas em que A-Leng andava. Porventura estás a procurar as pegadas dela. Ou talvez, numa tarde após chuva e névoa, as encontres, quebrando o limite do tempo, passando pelas esquinas do passado de Macau. Neste momento ela, virando a cabeça, brincando com aquela trança preta e lisa, sorrindo-se leve e timidamente, talvez assim tenha prendido fortemente o teu coração.


1. Poemas de Yao Jingming, recolhidos no O Olhar de Henrique de Senna Fernandes – Fragmentos, publicação do Instituto Internacional de Macau e Fundação Jorge Álvares, 1ª edição, Dezembro de 2004.
2. Palavras da crítica Ana Lopes, recolhidas na versão chinesa de A Trança Feiticeira, publicação do Instituto Cultural de Macau e Editora Montanha das Floras, Agosto de 1996.
3. Vice-Presidente da Assembleia Geral da Associação de Educação de Macau. Educadora experiente.

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